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desenho

a periferia no centro: um outro
olhar sobre são joão de meriti

ariane pereira & larissa monteiro
colaboração: ana nonato, júlia campos & lis fernanda
orientação: cauê capillé & andré cavendish

20

18/ RJ

1° lugar concurso "URBAN21 - Concurso Universitário de Urbanismo", ArcoWeb - Revista Projeto.
Publicado na Revista Projeto, edição 446.

Publicado no 3° guia para a agenda 2030 do Instituto de Arquitetos do Brasil. Julho, 2022.

   Periferia metropolitana no centro

 

  Lançar o olhar sobre as questões da periferia metropolitana foi o ponto inicial deste projeto. Nas dinâmicas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, a periferia se situa num cenário de dependência econômica, cultural e política do centro hegemônico. Assim, dois dos maiores desafios urbanos atuais da RMRJ são tanto a mobilidade baseada em grandes deslocamentos pendulares cotidianos, quanto às diversas deficiências em seu planejamento e gestão.

   A leitura dessas práticas urbanísticas da estrutura centro-periferia, mostra que a resposta que vem se materializando apoia-se na ideia de mobilidade metropolitana a partir da construção de infraestruturas, que sozinhas não conseguem lidar com as demandas periféricas. Apesar desse discurso defender o acesso da população periféricas aos recursos da centralidade metropolitana, reforça-se a relação de dominação do centro.

   São João de Meriti se situa na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, sendo hoje o município com maior densidade demográfica da América Latina, com pouco mais de 13 mil habitantes por quilômetro quadrado e 99,9% do solo ocupado. É cortado por grandes infraestruturas de transporte, como a Rodovia Presidente Dutra, a Avenida Automóvel Clube e duas linhas de trem (uma de carga e outra para transporte de massa). Além disso, é delimitado pelos rios Sarapuí e Pavuna.

   Os movimentos pendulares podem ser analisados a partir da quantidade de entrada e saída de pessoas de cada município por dia e, então, quais destes municípios tendem a exercer força de centralidade/subcentralidade em São João de Meriti.

 

   Para a construção desse gráfico, foram utilizados como parâmetros os dados de deslocamento do metrô do Rio de Janeiro, apenas como medida referencial, sendo portanto 30 km (distância) para 1h (tempo), custando R$ 4,30.
Em outras palavras, pagando R$ 4,30, é possível percorrer 30 km em 1h usando o metrô.

  

   Compreendendo como o sistema de mobilidade urbana pode reforçar ainda mais a dependência da periferia do centro, através tanto do tempo de deslocamento, quanto do modo que se conectam as infraestruturas dos transportes, e inclusive no valor a ser pago, foi possível perceber a necessidade de discussão e proposição de um sistema que privilegie não somente o atravessamento entre baixada e centro, mas, sim, a conexão entre as sub centralidades existentes e em potencial. 

   Fissuras e enclaves

 

   Desafiando a visão simplória da periferia como tecido homogêneo e isotrópico, identificamos trechos de tecido apartados dos demais em seu entorno devido à sua morfologia – recortes urbanos que chamamos de ‘fissuras’. A formação dessas ‘fissuras’ emerge a partir de inúmeros fatores, entre os quais: o processo fragmentado de ocupação do território; a topografia; e a presença de rios, vias e enclaves industriais. Essas fissuras fazem com que o território se configure como uma ‘colcha de retalhos de tecidos urbanos’ que por vezes não se ‘costuram’, quase fechados em si mesmos. O contexto imediato e os usos em cada ‘fissura’ e ‘retalho’ produzem particularidades ímpares em cada parte da cidade – desafiando, como dissemos, a visão simplória da periferia como tecido homogêneo e isotrópico.

 

   Após entender essas fissuras, escolhemos criar um sistema de categorização dos espaços para que de forma analítica obtenha-se a particularidade de cada uma delas, a ideia é que a partir desse caráter particular possamos indicar diretrizes projetuais, fazendo com que a articulação desses núcleos reforce a lógica de conjunto.

 

   Os diagramas estrela de caráter da área buscam direcionar uma caracterização de particularidades dos fragmentos encontrados, buscando tanto uma quebra do paradigma de identidade isotrópica das tramas periféricas, como também uma sistematização da análise de uma área tão grande e complexa que seria difícil sem o recurso da catalogação

mapa são joão de meriti

   Mecanismos

 

   Viabilização de sub-centralidades Compreendidas como zonas de troca, costura e ‘conflito’ entre tecidos, as fissuras tornam-se áreas potenciais para “poli-nuclear” o município de São João de Meriti. Centros feitos não pelo “pré-apaziguamento da sociedade”, mas pela possibilidade de diferença. Suprimento da mobilidade intramunicipal.

  Trata-se da criação de uma rede de transporte que facilite o acesso à toda extensão de São João de Meriti, de forma mais eficiente quanto à relação espaço versus tempo, a partir da introdução do VLT aos modais preexistentes.
A rede é responsável pela conexão das sub centralidades aqui propostas, articulando uma espécie de “circuito intramunicipal”. Essa proposta surge justamente em contraposição a um dos projetos apresentados para São João de Meriti, que cria uma linha de VLT no sentido centro-periferia – mais uma a ramificar o domínio do centro da metrópole.

   Masterplan

 

   Nossa proposição para o sítio se fez a partir de três etapas.
A primeira, de caráter analítico e propositivo, ocorre a partir da elaboração do Master Plan, com o intuito de identificar as possíveis áreas territoriais para desenvolvimento das sub centralidades e da rede municipal de conexão. Consiste em uma alternativa à atual lógica de planejamento urbano de São João de Meriti, intervindo no ordenamento territorial do município a partir da distribuição e reforço pelo desenho de novas centralidades na região, associadas à uma rede de conexão municipal que facilite o deslocamento interno. Propomos que as novas centralidades sejam estruturadas nas áreas que foram compreendidas como “fissuras”. Essa proposta busca contrapor a leitura senso comum da periferia como genérica e em grid aparentemente aberto. Ao contrário, ao encontrarmos trechos de trama com particularidades específicas e após integrarmos esses trechos de tecido, foi possível observar fragmentos residuais com caráter mais fechado em si, o que Albert Pope lê como ‘ladder’ (‘escada’).

“At first glance, the ladder appears to be nothing more than a simple fragment of the grid, a single spacing or fringe element from its continuous pattern. (...) In contrast with the infinite continuity of the open grid, the ladder is a finite, indivisible, hierarchical structure. As a closed isolated fragment, it lacks the potential for integration into an extensive urban field. In contrast to the grid, the ladder forms a singular and exclusive route/root system that generates a fundamentally closed pattern of organization.”

Albert Pope, 1996

 Sub-centralidade como parque urbano

 

   Selecionamos um trecho, que chamamos de fita, presente no bairro de Vilar dos Teles como o primeiro estudo de caso do Masterplan e foco de projeto. Isso por conta do seu potencial de articulação e área de contato com com o tecido do seu entorno. A área tem uso predominantemente residencial e tem como pontos principais de articulação a estação de trem de Coelho da Rocha em uma de suas extremidades e na outra a Prefeitura de São João de Meriti. Nesse ponto, a análise do parcelamento dessa malha, em especial segundo o andar dos pedestres, indicou os grandes deslocamentos petonais dada a extensão das quadras que constituem a fita (de 520 a 600 metros), que acabam funcionando como barreiras. Foi a partir dessa leitura que identificamos oportunidades de atravessamento, e ainda o potencial de fortalecimento político - encarando os aspectos materiais e sócio culturais preexistentes.

 

   O projeto para a fita, propõe a incorporação desses atravessamentos lentos a um sistema de espaços livres e públicos, como um parque urbano, fragmentado e conectado, que oportunamente, toma espaços entre quadra e ruas perimetrais da fita. Essa ressignificação do traçado da malha, visa a incorporação de novas possibilidades de trocas sociais e culturais.

 

   Diante do quadro estudado, é fundamental entender o contexto para que seja possível descontextualizar. Um projeto que não é financiado e gerido por um cliente específico no decorrer do tempo, não pode assumir qualquer programa eximindo assim de um desenho, mas também não pode ser de todo um projeto rígido para um programa muito específico. Ambos cenários já puderam ser observados com respostas não desejadas do usuário. Portanto, num município onde maior parte dos moradores precisam sair de seu território para exercer qualquer tipo de atividade, a indeterminação do desenho entra como resposta para direcionar cada parte da construção não para programas específicos, mas sim para diferentes tipos de caráter programático, onde há uma liberdade contida na apropriação.

 

   Os possíveis fechamentos e grades também foram pensados de forma que onde o espaço tem caráter muito coletivo, mas escadas externas conseguem sempre acessar, mesmo que os blocos com natureza mais íntima sejam gradeados pelos usuários no futuro A verticalidade é quebrada com as escadas que colocam-se nas fachadas e com o espaço semi-público dos terceiro e quarto pavimentos, enquanto a indeterminação dos espaços fechados articulados com os abertos fazem com que o edifício seja resiliente a usos indeterminados.

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